Pode fazer um resumo do seu percurso ?
Com certeza: “ai!, ui!, ui!, e agora?, aguento-me, ai, vou por ali, ui, quero isto e não aquilo, isto custa, agora está melhor, desiste aqui, insiste ali, até que enfim…”… repeat. Não são os percursos todos um pouco assim? Sendo um bocadinho mais concreta, o meu percurso foi, até certo ponto, decidir se seguiria um ramo das artes ou um ramo da medicina. A medicina ganhou, ainda que por poucos pontos. Assim, quando acabei o curso, sentia-me um pouco incompleta e perdida na maionese da medicina dentária (é uma área tão vasta, não é?). Comecei a excluir, na minha cabeça, o que não gostava de fazer e sobrou pouca coisa – cirurgia, dentisteria conservadora, estética. A Periodontologia era ainda, nessa altura, uma carta fora do baralho. Só depois de ver a potencialidade dos trabalhos cirúrgicos que se iam fazendo dentro e fora do país é que me apaixonei pela área. E assim lá me candidatei a um Mestrado, no qual ingressei, um ano após me ter formado – 2001. Mais tarde, deu-me vontade de me lançar a novos desafios: ainda que nunca tenha planeado dar palestras e cursos, a coisa foi-se entranhando. Adoro o contacto com os colegas, adoro “diaconizar” cabeças (sou uma pica-miolos), relativamente à evangelização Periodontal. Há uma grande tendência para se cometerem heresias periodontais, em todo o mundo. Gosto de pensar que sou uma pequena intermediária de alguma informação maior sobre esta área maravilhosa. a Periodontologia é como aquela pessoa especial, pela qual vale a pena lutar: tem que ser respeitada, priorizada e bem tratada. Por estas e por outras dizem que nós, periodontologistas, somos uns românticos.
Porquê a Medicina Dentária?
Porque, dentro da área médica, era a que mais se adequava às minhas valências e fragilidades. Desembaraço-me bem em trabalhos de minúcia e paciência, desde que goste do que estou a fazer (não me ponham a montar e desmontar relógios) e adoro a biologia e a medicina. Mas preciso de ter horários rotineiros, o que não acontece na medicina geral. O meu sistema não permite abusos de noitadas nem stress em demasia. Já sou uma pilha, por natureza.
A Cátia focou-se na Periodontologia. O que a levou a tomar essa decisão?
A minha preferência pela Periodontologia relaciona-se com o gosto que eu sempre tive pela área cirúrgica e por poder tratar, curar doenças, restaurar a saúde. A minúcia, a obrigatoriedade de ser conservadora e pouco invasiva, a dificuldade inerente à área, foram os ingredientes que precisava para que acrescessem as certezas que faltavam. Área cirúrgica, mas “gourmet”.
O que acha ser fundamental no trabalho de equipa entre o Higienista e o Periodontologista?
A comunicação e qualquer tipo de protocolo de trabalho que seja seguido por ambos. Filosofias parecidas, que têm de ser concertadas entre ambas as partes. Por exemplo: Se trabalham juntos, um não pode instruir o paciente a higienizar de uma forma e o outro de outra. Deve haver um consenso mínimo. A informação pertinente (periodontograma, anamnese, etc) deve ser registada e arquivada para consulta de um e de outro, possibilitando o fácil seguimento do paciente, sem lacunas de informação. Ajuda sempre o facto de ambos se darem bem, como em qualquer relacionamento humano, mesmo profissional que seja. A simpatia/amizade é sempre um facilitador da comunicação.
Que acha da evolução da saúde oral em Portugal?
Do ponto de vista da saúde pública, ainda há muito que se lhe diga. Desde a implementação de hábitos de higiene oral na população, até à criação de um qualquer modelo económico que funcione, para que os doentes tenham o direito a ter acesso a cuidados de saúde oral básicos, sem prejuízo financeiro para os profissionais de saúde oral… Há todo um longo caminho até podermos sossegar. De resto, parece-me que Portugal é um dos melhores países para se tratar dentes e gengivas. Somos muitos (infelizmente…) e muito bons.
Qual foi o episódio mais marcante na sua carreira?
O dia em que defendi com sucesso a minha tese de Mestrado em Periodontologia, na FMDUP. Foi um percurso cheio de peripécias e desafios.
Não vive sem o que no seu trabalho?
Não vivo sem os óculos, sem bons assistentes, sem material de qualidade, sem boa energia nas clínicas onde trabalho, sem uma equipa espetacular (tem que ser espetacular, no mínimo!), tanto pessoal, como profissionalmente. Parece um elitismo o que digo, mas olhe: é a verdade.
Do que mais gosta na vida?
As coisas que mais gosto na vida não são coisas: são as minhas pessoas (família e amigos), são as boas surpresas, clínicas e humanas, empáticas e emotivas que a profissão e a vida no geral me traz, a natureza, a imaginação, a música, a escrita, o desenho, a comunicação, a aprendizagem, o apreciar do trabalho, da arte, da forma de vida de algumas pessoas inspiradoras.
E o que menos gosta?
Não gosto de muita coisa! Adapto-me. Não suporto desonestidade, mercenarismo, vaidade (daquela sem sustentação, sabe?), hipocrisia, fundamentalismos, falsos moralismos, preconceitos, críticas fáceis, presunção, laxismo, show off puro e duro… Há muita coisa por aí a pôr-nos maldispostos, diariamente, só por nos levantarmos da cama e sairmos para a vida rotineira. É preciso todo um estofo que se vai construindo para tudo isto não nos destruir.
Tem projectos para o futuro?
Mas não digo. Pode dar azar.
Deixe um conselho para os novos profissionais da área.
Passo a vida a dizer o que vou dizer, mas nunca é demais.
Sejam fiéis às vossas intuições, capacidades e limitações. Saibam distinguir o princípio, o meio e o fim de tudo, sem perder o objectivo final de vista; e que esse objectivo seja sempre digno. Não prejudiquem ninguém. Não se vendam: contrariem a maré se preciso for, no momento certo. Saibam dar murros na mesa, dizer “não” na altura certa, muitas vezes até a vocês próprios. Alimentem a curiosidade pelo saber. Trabalhem com o melhor material possível. Vão lendo e ouvindo aqui e ali, formem as vossas próprias opiniões. Actualizem-se. Ouçam o grilinho da consciência. Trabalhem próximos dos vossos colegas de equipa. Sejam humildes. Saibam criar felicidade dentro e fora do vosso trabalho, porque isto não é para fracos.