Pode fazer um resumo do seu percurso ?
Entrei no curso de prótese dentária em 1987. Era um curso técnico profissional de quatro anos que se realizava no centro de formação profissional da antiga Escola Superior de Medicina Dentária de Lisboa. No final do terceiro ano fui selecionado pela instituição para frequentar, na Universidade de Ferris State em Michigan – EUA, um curso de licenciatura em ciências da educação para a área de saúde, com o propósito de me juntar ao corpo docente da instituição.
Realizei o curso durante dois anos, através de um programa de bolsas de estudo, tendo feito um estágio pedagógico na referida universidade e um estágio profissional num laboratório de prótese dentária, tendo regressado à instituição em 1991 para lecionar no curso de prótese dentária. Comecei nessa altura também a trabalhar em part-time num laboratório de uma clínica dentária em Lisboa, com o propósito de aperfeiçoar a minha técnica laboratorial.
Após três anos de atividade letiva, assumi em 1994 a Coordenação do laboratório de estágio da instituição e passei em 1996 a Coordenar o curso pós-laboral de prótese dentária, destinado a fazer um complemento de formação aos profissionais de prótese dentária que não tinham habilitações académicas.
Desde 1998 assumi a orientação e implementação dos programas das disciplinas da área de prótese fixa do curso de prótese dentária e passei também a lecionar no curso de higiene oral e no curso de medicina dentária.
Passados dez anos de atividade docente e após o curso de prótese dentária ter deixado de ser um curso técnico profissional para passar a ser um curso superior, surgiu a possibilidade de progressão académica e por isso decidi fazer um curso de Mestrado em Ciências da Educação na área de Pedagogia do Ensino Superior, que concluí em 2006.
O passo seguinte foi o Doutoramento em Ciências e Tecnologias da Saúde na área de Prótese Dentária, que tive o privilégio de ser o primeiro a concluir em 2015 e que abre um novo ciclo na emancipação dos profissionais desta área. Desde esta altura sou também o regente das quatro disciplinas da área de prótese fixa lecionadas no curso de licenciatura de prótese dentária.
Ao longo destes últimos vinte cinco anos, fui sempre mantendo a minha actividade laboratorial exercendo a profissão de técnico na área da prótese fixa e implantologia, com particular incidência na manipulação de cerâmicas dentárias, frequentando inúmeros cursos teórico-práticos, organizando e lecionando cursos teórico-práticos e também fazendo inúmeras palestras em congressos a nível nacional e internacional.
Destaco ainda ser sócio fundador da Associação Portuguesa de Técnicos de Prótese Dentária em 1996, tendo feito parte dos seus corpos gerentes desde o início e sido vice-presidente da Direção entre 1997 e 2001, presidente da Direção entre 2002 e 2011 e presidente da mesa da Assembleia Geral entre 2012 e 2016.
Porquê prótese dentária?
Aconteceu quase por acaso. A convite de um colega de escola secundária e a partir de uma informação que ele tinha recebido pelo seu médico dentista, aceitei o desafio de ir com ele fazer as provas de ingresso para o curso. A minha família sempre trabalhou ligada à área da industria vidreira e eu já tinha começado a dar uns primeiros passos para ai procurar o meu futuro. Como desde miúdo frequentei dentistas para correções ortodônticas e mais tarde quando já era adolescente sofri um acidente desportivo que me obrigou a recorrer a uma prótese dentária, fui tendo contacto com esta área e talvez por isso o desafio do meu colega não me pareceu descabido. Realizamos as provas e nenhum de nós foi selecionado. Contudo no ano seguinte decidi voltar a tentar e nesta segunda tentativa acabei por entrar no curso. Curiosamente, o meu amigo enveredou pela área de gestão e acabou ligado à industria vidreira, tendo mesmo adquirido a fábrica de um dos meus familiares. Hoje rimo-nos deste destino que começamos a traçar juntos.
O João é professor no curso de prótese dentária na FMDUL. O que o levou pela vertente do ensino?
Nunca tinha pensado em ser professor. Contudo, quando ingressei no curso de prótese dentária e tomei conhecimento do programa de bolsas de estudo nos EUA fiquei interessado. Sempre gostei de viajar e tinha já ido sozinho de férias para o Canadá quando tinha treze anos. Por isso a ideia de estudar no estrangeiro tornou-se um objectivo e fiz o que podia por alcança-lo. O estágio de pedagogia que fiz na universidade em que estive mostrou-me que havia uma outra forma de me sentir realizado com a profissão de prótese dentária, porque tal como eu me tinha sentido fascinado com o que os meus mestres me ensinavam nas aulas práticas também eu consegui chegar aos alunos e mostrar-lhes o potencial que existia dentro de cada um deles. Isso foi determinante para me apaixonar pelo ensino e por procurar aprender mais dentro desta área ao longo destes anos.
A prótese dentária portuguesa consegue ter projeção internacional?
Começa agora a dar os primeiros passos. O potencial dos técnicos portugueses sempre foi elevado e isso ficou bem patente no contacto que tem existido ao longo dos tempos com os técnicos estrangeiros que nos visitam. Portugal fez bem cedo uma aposta clara na formação académica na área da prótese dentária e talvez por isso a formação inicial dos nossos técnicas é de nível acima da média quando comparada com os outros países, sendo isto reconhecido no estrangeiro. Durante muitos anos a projeção dos técnicos a nível internacional foi feita por meio das grandes marcas de materiais dentários e por ser-mos um pais pequeno e com um mercado reduzido nunca tivemos as marcas a apostarem em técnicos Portugueses. Hoje tudo está diferente, porque os técnicos conseguem mostrar o seu trabalho através das redes sociais e isso tem permitido que a sua qualidade se torne mais visível. Existem jovens técnicos com enorme talento e potencial para se começarem a afirmar no panorama internacional. Alguns trabalham já para algumas das marcas mais poderosas do mercado, quer como “opinion leaders”, palestrantes ou mesmo demonstradores dos seus materiais e técnicas. O futuro é promissor!
O que acha da evolução da saúde oral em Portugal?
Portugal está na vanguarda da medicina dentária que se faz a nível mundial e em particular ao nível da reabilitação protética. Os laboratórios portugueses são tecnologicamente avançados, com uma taxa elevada de utilização de equipamentos CAD-CAM e o trabalho de equipa entre médicos dentistas e técnicos de prótese dentária é uma realidade ao nível do planeamento e execução das próteses dentárias. O facto de os cursos de prótese dentária estarem sediados em instituições de ensino de medicina dentária permitiu criar uma vivência conjunta, uma proximidade de linguagem e de abordagens técnicas que é de excelência. Contudo o fator económico tem vindo a subverter estes valores e tem diminuído o nível de eficácia deste trabalho conjunto, uma vez que médicos e técnicos ficam à mercê de opções e indicações de gestores que visam apenas a eficácia financeira das instituições. No meu entender a principal lacuna acontece ainda ao nível da prevenção, sendo necessário fazer um esforço maior para que os cuidados primários de saúde oral cheguem a um número maior de crianças e jovens. Têm sido implementados alguns programas nesse sentido mas ainda existe um caminho longo para atingir o nível que existe por exemplo nos países do norte da europa.
Consegue comparar esta evolução com a da prótese dentária?
Como já exprimi anteriormente, a prótese dentária tem evoluído a par com a medicina dentária, pela proximidade de formação que existe e também porque os técnicos portugueses, frutos da sua formação académica de base, sempre perceberam a necessidade de fazer uma aposta continua nas novas tecnologias, no novos materiais e técnicas.
Qual foi o episódio mais marcante na sua carreira?
Diria que foi o facto de ter coordenado o curso pós-laboral, que me permitiu entrar em contato com os profissionais de uma outra geração e que me abriu os horizontes para aproveitar o melhor das aprendizagens do dia a adia com o equilíbrio que o conhecimento técnico científico permite oferecer na consolidação dos nossos conhecimentos.
Não vive sem o que no seu trabalho?
O contato diário com a sala de aula e com os alunos e claro o meu pincel de cerâmica.
Do que mais gosta na vida?
A sensação de ser útil para com os outros. Poder influenciar positivamente ao nível do ensino ou contribuir para um novo sorriso na realização de próteses dentárias é o oxigénio que me alimenta.
E o que menos gosta?
De avaliar. O momento da avaliação têm-se tornado cada vez mais difícil ao longo dos anos. Ser capaz de nos colocar-mos no papel do outro e conseguir perceber como a avaliação pode ser o ponto de partida para a vitória ou para a derrota.
Tem projetos para o futuro?
Um homem sem projetos está morto! Com o meu percurso académico e experiencia profissional os meus projetos passam por poder contribuir para o maior envolvimento dos técnicos de prótese dentária na investigação científica e no contributo para o desenvolvimento dos materiais e técnicas de vanguarda. Influenciar positivamente os meus alunos para esta nova fase e envolve-los na investigação é um desígnio.
Gostaria ainda de poder contribuir para uma nova abordagem no ensino da prótese dentária, com uma vertente marcadamente digital e adaptada aos novos tempos. A modernização dos currículos das disciplinas e do plano de estudos do curso é outro desígnio.
Depois ter oportunidade de fazer mais uns quantos cursos com alguns dos técnicos que me habituei a admirar ao longo destes anos e que ainda não tive oportunidade de conhecer.
Deixe um conselho para os novos profissionais da área.
Que não tenham medo do futuro e das mudanças que se avizinham e tenham a capacidade de fazer opções que se baseiem na sua capacidade para se diferenciar dos demais. Não vale a pena ser apenas mais um. Para esses a competição vai ser com as máquinas e elas já estão bastante evoluídas para fazerem grande parte das nossas tarefas.
Como máxima diária deixaria um conselho: antes de enviarem uma prótese dentária para um paciente, por mais simples que ela seja, perguntem se a colocariam na sua própria boca.